ACERCA DO SAGRADO
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 29 de nov. de 2021
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Reverendo Jorge Aquino.
Se existe uma realidade que poderíamos chamar de “onipresente” no aqui e agora, esta seria a do que chamamos de “o sagrado”. Diferentemente do que existia nos anos 70 do século passado, em que a afirmar a crença em algo ou alguém era algo quase que considerado como loucura ou - para dizer o mínimo – estupidez, hoje em dia, parece que a ideia da sacralidade inundou nossa realidade cruzando até mesmo barreiras que julgávamos intransponíveis. Para nos ajudar nesta breve exposição, nos serviremos das ideias lúcidas e atiladas de Umberto Galiberti, professor de filosofia na Universidade de Veneza, e profundo conhecedor do tema e escritor do texto Rastros do sagrado.
É interessante iniciar o tema falando, em primeiro lugar, acerca do próprio termo em questão. Como sabemos, a palavra “sagrado” é de origem indo-europeia e significa basicamente “separado”. Desta forma, lembra-nos Galiberti, “não é uma condição espiritual ou moral, mas uma qualidade inerente ao que tem relação e contato com potências que o homem, não podendo dominar, percebe como superiores a si mesmo, e como tais atribuíveis a uma dimensão, em seguida denominada ‘divina’, considerada ‘separada’ e ‘outra’ com relação ao mundo humano”. Assim, como resta claro, esta separação não é de natureza essencialmente moral ou espiritual, mas ontológica, vez que se está tratando de um ente que, em uma linguagem humana, habita uma dimensão diferente e separada por ser ‘divina’ e ‘metafísica’ – logo díspare em relação à nossa, essencialmente material e humana.
Em segundo lugar, é importante reconhecer que este tema, apesar de tão atual, não foi descoberto recentemente. Muito ao revés, talvez um dos mais importantes autores que trataram sobre esse tema tenha sido o conhecido pensador alemão Rudolf Otto, que apreendeu a essência do sagrado no que ele chamava de o numinoso, ou seja, aquele ente que faz surgir em nós a relação ambivalente entre temor e veneração e que se associa ao inefável, sendo ele mesmo, absolutamente inacessível à compreensão conceitual. Devemos ressaltar o dualismo temor/veneração, que sempre esteve presente em nossa relação com o sagrado. Segundo lembra Galimberti, “O homem tende a manter-se distante do sagrado, como sempre acontece diante do que se teme, e ao mesmo tempo é por ele atraído”. Lembremos que, ainda nos primórdios da Idade Média surge a chamada teologia negativa ou opofántica, na qual se advoga a tese de que de Deus não se pode falar, pois toda predicação seria uma forma de limitação. Assim, a divindade estaria para além de nossos conceitos e de nossa inteligência.
Por fim, devemos registrar, em terceiro lugar, que esta relação paradoxal está no cerne de toda religião. A princípio o próprio termo religião é um convite à reunião (re-legere) do que se estava separado. Assim, o propósito ou a finalidade da religião seria justamente assegurar que tanto a separação quanto o contato co-existissem de forma simultânea, sendo reguladas por meio das práticas rituais que, por um lado, deveriam evitar que o sagrado se expandisse a ponto de permear toda a realidade, e por outro, deveria evitar a sua total inacessibilidade.
Eis que algo ocorreu com a religião contemporânea. Os rituais foram de tal forma banalizados que o aspecto da sacralidade perdeu seu espaço e sua relevância, tornando-se algo ordinário e corriqueiro. O numinoso tornou-se algo tão próximo que já não desperta temor/veneração. O sagrado se tornou prosaico, trivial e vulgar. O próprio deus, acredita-se, pode ser engarrafado e vendido em qualquer esquina por qualquer pessoa mercador. Sei que no cristianismo o mistério da encarnação do Filho nos remete a uma nova realidade na qual nos aproximamos de um Pai amoroso que nos acolhe em seus braços continuamente abertos. No entanto, o que verificamos é uma tal falta de respeito – em nome de uma pseudo-intimidade – que faz com que aquele que é o Totalmente-Outro, o numinoso, o que é três vezes Santo, seja trivializado e tratado como um garoto de recados que tem a obrigação de nos manter saudáveis, de nos presentear com o carro mais caro do mercado e com uma casa própria com ares de mansão. Esta expectativa acerca de Deus é fruto de um adoecimento em nossa visão do sagrado e, somente quando percebermos a distância qualitativa que existe entre nós e Deus, compreenderemos o erro que se está cometendo. Oxalá saibamos recuperar o espaço do sagrado em nossas vidas; mas que isso seja feito de forma proveitosa e profícua para que nossa religião não seja apenas um amontoado de clichês ditos e cantados ao sabor da música da moda.

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