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ACERCA DO MAL – UMA ABORDAGEM FILOSÓFICA

Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝Reverendo Padre Jorge Aquino ✝


Reverendo Jorge Aquino.

Seguramente, ninguém apontaria uma questão mais difícil e angustiante de ser enfrentada pela razão humana, que não fosse esta: a questão do mal. Este tema vem abalando consciências e tirando o sono de muitos, no transcorrer dos séculos. Desde que nos identificamos como humanos, quando passamos a utilizar a razão e a refletir sobre o que nos surpreende, a realidade do mal passou a ser visto como algo absurdo que nos impõe um enorme mal-estar, tanto de uma perspectiva filosófica quanto religiosa. Digo isso, porque não conheço manifestação religiosa que não tenha enfrentado essa questão e tentado oferecer uma – ou várias -, respostas para ela. A questão do mal tem sido, geralmente utilizada para se confrontar à possibilidade da existência de Deus. Dessa forma, argumenta-se: “ou Deus é todo-poderoso mas não todo-bom, e por este motivo não acaba com o mal, ou Deus é todo-bom, mas incapaz de acabar com o mal, sendo, portanto, que não é todo-poderoso” (LITTLE, 1981, p. 109). A questão do mal, é um tema muito presente, inclusive na Bíblia. Quando lemos o Antigo Testamento, lá encontramos assassinatos, tiranias, crueldades, guerras, engano, licenciosidade e, aparentemente Deus não contraria essa realidade. Isto é tão sério que Lord Platt, em um artigo no jornal The Times, falando sobre o lançamento de uma nova tradução da Bíblia, escreveu: “Talvez agora que a Bíblia está escrita numa linguagem que todos podem compreender, o Antigo Testamento seja visto como realmente é, uma crônica obscena da crueldade perpetrada pelo homem contra o homem, ou talvez pior ainda, do homem contra a mulher, e do egoísmo e da avareza humanos, com o apoio de sua religião. É uma história de terror como nenhuma outra” (PLATT, In WENHAM, 1989, p. 7). Até este momento, privilegiamos uma perspectiva teológica.

Contudo, de um ponto de vista filosófico, quando se pretende falar sobre o mal, notamos ser necessário, inicialmente, conceitua-lo. No entanto, lembra-nos Vicente Burgoa, “O mal não é um conceito primário, nem absoluto; não é algo que se possa explicar sem relação com outras coisas. O mal implica sempre o seu oposto, o bem; de modo similar, somente similar, como o não ser somente pode ser em relação com o ser” (BURGOA In VILLA, 2000, p. 457). Seja como for, pela similitude ou não, nós somente conhecemos o mal por meio da experiência e, portanto, essa é a razão por meio da qual a questão do mal está no cerne de nossas crises. Quando observamos o que denominamos de “mal”, somos levados – muito embora reconhecendo os limites dessa atitude – a apresentar, pedagogicamente, o tema apresentando-o em três dimensões. Assim, concordamos com a proposta feita pelo Dr. Juan Estrada, quando escreve: “Na história da filosofia ocidental, o mal tem sido analisado tradicionalmente a partir de três dimensões diferentes: o mal metafísico, o mal físico e o mal moral” (ESTRADA, 2004, p. 9). Estas mesmas três dimensões são apresentadas, também, por José Mora, quando ele, escrevendo sobre a natureza do mal, nos diz que “Segundo um grupo de teorias, o mal não é uma realidade separada ou separável; faz parte da única realidade verdadeiramente existente (...). O mal a que se referem essas teorias é, principalmente, o mal metafísico (...), mas há ocasiões em que o referido mal metafísico se apresenta sob o aspecto do mal físico ou do mal moral” (MORA, 1996, p. 442).

Muito embora, para fins didáticos e pedagógico, possamos apresentar esses três aspectos do mal, urge que compreendamos que essa classificação tripartite não apresenta cada um deles de forma hermeticamente isolada. Na verdade, experimentalmente, se verifica uma mistura desses três elementos ainda que um deles se destaque. Examinemos, pois, cada um desses aspectos distintamente, conforme a leitura desse ilustre pensador.

Sobre o mal metafísico, aprendemos com Estrada que ele se refere mais especificamente à finitude e à contingência humana, bem assim à sua imperfeição e falta de ordenação em relação a tudo o que existe. Este aspecto ressalta nosso total descontentamento, insatisfação e desconforto com nossa realidade humana expressa historicamente, bem assim com o mundo no qual vivemos, particularmente, diante de nossa realidade temporária, provisional e efêmera. Essa questão é, primordialmente uma questão existencial, pois nos põe frente a frente de nossa condição de ser-para-a-morte. Quando examinamos as primeiras comunidades humanas, percebemos que a realidade da morte ocupava um lugar central na vida. Isto pode ser visto, por exemplo, nas ruínas arqueológicas que apontam para a crença de que deveria existir uma outra vida, ou, quem sabe, que os mortos retornariam a esta vida. Eis a razão para que eles fossem enterrados com seus objetos pessoais e, muitas vezes, com suas esposas. Eis a razão pela qual encontramos uma “preocupação de reis e governantes em construir grandes monumentos funerários” (ESTRADA, 2004, p. 10) indicando como a percepção de nossa transitoriedade e como nossa vida é fugaz, é uma realidade constante. Esta percepção, eventualmente, nos impulsiona a ter uma vida fundada no niilismo e no absurdo. Esta é a saída comum aos que reconhecem existir uma ausência de sentido na existência ou, pelo menos, um distanciamento ou divergência entre o ser e o bem, ou entre o ser e o dever-ser. Assim, nós vivemos o paradoxo entre aceitar a facticidade do que existe e o inconformismo que nos faz tentar muda-lo. Para os que procuram superar o mal, a saída é vista na integração ou justificação desse mal ao ordenamento cosmológico, o que ocorre, em geral, por meio das tradições míticas. Dessa forma, esse caminho nos leva à tentativa de relacionar nosso inconformismo frente à realidade com uma explicação racional que o justifica. O mal, dessa forma, é assimilado e humanizado.

Uma segunda forma pela qual o mal pode aparecer é na forma de mal físico. Este tipo de mal se manifesta, de forma mais clara, na experiência da dor, da agonia e do sofrimento. Como escreveu Estrada (2004, p. 11), “A quantidade de sofrimento acumulado na história, a que se somam as catástrofes naturais, as doenças e a dor causada pelo próprio homem, é angustiante. Dir-se-ia que a própria evolução natural e o progresso histórico não se processam sem uma boa dose de sofrimento”. Surpreendentemente, diante do sofrimento, ou bem nos jogamos na utopia que procura superá-los, ou bem assumimos uma postura estoica de aceitação e resignação. Quando o próprio mal assume esse caráter funcional, “um meio em função de um fim, o mal pode se revestir de um sentido teórico e vivencial” (ESTRADA, 2004, p. 12) somos jogados, muitas vezes, em uma realidade na qual simplesmente somos levados a aceitar que as coisas são assim e nada podemos fazer a respeito. Assim, existem dois aspectos que precisamos acentuar quando nos referimos ao mal físico. O primeiro deles é o fato de que ele não pode ser objetivado ou racionalizado. A extrema diversidade de males existente, nos faz dizer que ele não pode ser objetivado ou racionalizado. Contudo, apesar de diverso, nossa experiência desse mal universal é única. E é isso que o torna elemento constituinte da realidade ou da condição humana. O segundo aspecto que ressaltamos sobre o mal é que, cada um dos seres humanos, padece de seus próprios males. Nesse sentido, escreveu Estrada (2004, p. 13), “O mal é concreto, existencial e pessoal, refratário à totalização e, sobretudo, a uma valoração universalista”. Cada mal, é parte vital de cada um de nós.

Por fim, podemos falar sobre o mal moral. Esta forma de mal está essencialmente conectado com nossa liberdade e, por via de consequência, com a possibilidade de responsabilização do agente. Ao olharmos para a história, inevitavelmente percebemos que ela é apresentada como a sucessão de inúmeros impérios. Cada um deles, contudo, foi construído sobre o sofrimento, o massacre e o desaparecimento dos mais fracos e dos que nada podiam fazer para resistir ao poder de quem dominava. A injustiça, a morte e a opressão, são, dessa forma, a expressão mais clara do mal, enquanto produto da ação humana. É dessa forma que surge, o debate sobre a consciência e a culpa, bem assim, sobre a justiça, a reparação e o perdão. O mal moral está, como podemos perceber, intimamente relacionado com o debate ético, moral e religioso, o que faz surgir a inevitável questão da responsabilização do culpado. E, eis que, também aqui, verificamos um paradoxo. Assim, enquanto verificamos que o mal moral é onipresente – pessoal e coletivamente -, por outro lado, continuamos a lutar e a desejar que o mundo seja mais justo, mais solidário, mais autêntico e mais verdadeiro, reduzindo, dessa forma a abrangência do mal moral. Além disso, assevera Estrada (2004, p. 14), o mal moral nos desafia. Por um lado, diz Estrada, todos nos sentimos culpados quando nos damos conta do mal que causamos. Por outro, continuamos a projetar o mal para fora de nós mesmos, jogando sobre os outros – indivíduos ou comunidades – as nossas responsabilidades. A história está cheia de exemplos nos quais, os agressores culparam as próprias vítimas.

Não há como negar que, o mal, em todos os seus aspectos, está diariamente diante de nós. Por isso ele tem esse caráter onipresente. No entanto, nossa percepção sobre o que somos, sobre o que sabemos, sobre o que esperamos e sobre o que podemos fazer, dependerá diretamente da forma como vemos e como respondemos ao mal. Particularmente não imagino que a melhor postura deve ser a de mero observador estoico, mas a de agente transformador nas diversas formas de manifestação do mal.


Referências bibliográfica:

ESTRADA, Juan Antônio. A impossível teodiceia: a crise da fé em Deus e o problema do mal. São Paulo: Paulinas, 2004

LITTLE, Paul E. Você pode explicar sua fé? São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1981

MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1996

VILLA, Mariano Moreno (org.). Dicionário de pensamento contemporâneo. São Paulo: Paulus, 2000

WENHAM, John W. O enigma do mal. São Paulo: Edições Vida Nova, 1989

 
 
 

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