ACERCA DO “LOC” E DA IDENTIDADE ANGLICANA
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 1 de ago. de 2020
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Atualizado: 16 de ago. de 2020
Reverendo Padre Jorge Aquino.
A Igreja Anglicana, há muito, precisava de um Livro de Oração Comum que lhe fosse adequado. Esta ausência foi cabalmente suprida pela publicação do Novo LOC que, além de atualizar a linguagem, apresenta ritos ausentes no anterior e se atualiza em relação a novas questões levantadas pela sociedade. Neste aspecto o Novo LOC da IEAB representou uma contribuição importante para a identidade Anglicana em nosso país.
Certamente muitos milhares de páginas já foram escritas versando sobre a identidade Anglicana. Nós mesmos já nos debruçamos várias vezes sobre esse tema em diversos textos que podem ser acessados pela internet. No entanto, acredito que se existe uma unanimidade nos diversos autores sobre um documento ou uma produção intelectual que aponte de forma privilegiada para a identidade Anglicana, esse texto será, indiscutivelmente, o Livro de Oração Comum (LOC).
Ocorre que, para o dia 31 de julho, o Novo LOC da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, acrescenta em seu “Calendário”, além da festa de José de Arimatéia, a festa ou a celebração da festa de S. Inácio de Loiola, apresentado como “Sacerdote e Reformador” (2015, p. 39). Ora, percebe-se claramente que o Novo LOC da IEAB acrescenta novos nomes que devem ser lembrados, e sobre isso acho que há um ganho relevante. No entanto, data máxima vênia, não vislumbro como colocar a figura de Inácio de Loiola no Calendário de celebrações do ano Cristão, sem ferir dois elementos essenciais do Anglicanismo. O primeiro deles é o próprio contexto histórico da construção do Livro de Oração Comum. Este documento foi elaborado, em sua maior parte, pelo Arcebispo Thomas Cranmer – que inclusive faleceu no mesmo ano de Inácio de Loiola -, e que tanto no texto dos primeiros LOC’s quanto no texto dos 42 Artigos de Religião – que mais tarde se transformariam em 39 -, expôs teses absolutamente contrárias ao que propugnava Inácio. Em outros termos, colocar o bastião da Contra-Reforma espanhola e fundador de uma Ordem Religiosa que pregava a absoluta obediência ao Papa como central, no mesmo documento cujo espírito era exatamente apregoar as teses que se opunham ao que Inácio defendia, é, no mínimo algo estranho.
Em segundo lugar, o Novo LOC, segundo meu entender, peca ao coloca-lo sob a insígnia de “Reformador”. Ora, sabemos que depois da Reforma Protestante – ligada à pessoas como Lutero, Calvino e Cranmer -, a própria Igreja de Roma passou por uma “reforma”. O Concílio de Trento e a criação de novas Ordens religiosas representam elementos que, de um lado reafirmaram e aprofundaram a doutrina e a hierarquia papal, e de outro, procuraram expurgar os abusos que eram cometidos pelos sacerdotes naquele momento. Isso precisa ser lembrado. No entanto, quando se apresenta Inácio de Loiola como “Reformador”, assim como Calvino, Lutero e Zwinglio, têm-se a impressão que todos estão incluídos no mesmo movimento que foi denominado pela história como “Reforma Protestante do século XVI”. E isto, definitivamente, não é verdade. O Novo LOC peca em sua apresentação de Inácio por ser absolutamente impreciso, ambíguo, duvidoso e equivocado.
Devo lembrar que isso em nada fere nosso trabalho e nosso empenho pelo ecumenismo. Muito ao revés, o que acaba por minar nosso esforço ecumênico, é a diluição de nossa identidade na identidade do “outro”. Somente pode existir diálogo ecumênico, quando as igrejas se entendem enquanto entes diferentes, compreendem essa diferença e são capazes de dialogar acerca delas. Ora, abrir mão de nossa identidade Protestante, não ajuda em nada o diálogo. Lembro que quando a ARCIC publicou o documento “Dom da Autoridade”, o ilustre teólogo Hans Küng – em um artigo espetacular -, prevenia o Anglicanismo para que este não abandonasse a Via Média e não se unisse à Via Romana. Estou certo de que as intenções da comissão que preparou o texto do Novo LOC também vislumbrava o aspecto do diálogo ecumênico. No entanto, me parece que nós Anglicanos apenas cedemos, ao passo que, muito embora haja um excelente diálogo entre ambas as Igrejas, oficialmente ainda não somos considerados “Igreja” por Roma, e nossas ordens ainda são tidas como nulas e vazias. Creio que seria um bom sinal, o dia em que Roma acrescentar em seu Calendário, a festa de Sto. Thomas Cranmer, S. João Calvino e S. Martinho Lutero.
Aprendi desde muito cedo no Anglicanismo que, assim como um Anglicano evangelical não pode ser considerado um Batista, um Anglo-Católico não é um Católico Romano. As diferenças existem e são fundamentais para que, dentro de todo o respeito e consideração, possa existir um verdadeiro diálogo e um verdadeiro ecumenismo. Contudo, tornar Inácio um “Reformador” e coloca-lo dentro do LOC, me parece um certo desfavor que fazemos à busca de nossa identidade e ao trabalho ecumênico.

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