ACERCA DO LIVRO DE ORAÇÃO COMUM ANGLICANO
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 9 de dez. de 2019
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Reverendo Padre Jorge Aquino
Quando nos propomos a falar sobre a liturgia Anglicana, creio ser absolutamente imprescindível falar sobre o seu mais importante documento, o Livro de Oração Comum. Quem já teve a oportunidade de conhecer o Livro de Oração Comum (LOC), deve ter percebido que as liturgias apresentadas ali são essencialmente trinitárias. Em outras palavras, não encontramos espaços no LOC para a veneração ou adoração de outra pessoa, senão a do Deus Todo-Poderoso que se encarnou na pessoa de Jesus Cristo e continua conosco por meio do Espírito Santo. Aqui aprendemos algo que é fundamental para a liturgia anglicana: ela não foi elaborada para fazer com que as pessoas se sintam bem, mas para fazer com que as pessoas adorem a Deus em espírito e em verdade. Ou seja, a finalidade da liturgia não é a satisfação das pessoas ou o se bem-estar, mas a glória de Deus.
Um outro aspecto que todos os que já leram algo sobre a liturgia Anglicana é que sempre afirmamos a relação entre nossa adoração e nossa doutrina, ou seja, sempre afirmamos lex orandi, lex credendi. Se você desconhece essa expressão, saiba que ela indica que aquilo que oramos é aquilo que acreditamos. Na prática, a indicação da fé de uma comunidade será vislumbrada no caminho indicado pela sua adoração. E, segundo os estudiosos mais exigentes da liturgia anglicana – mesmo os de vertente anglo-católica – são unânimes em afirmar que a liturgia proposta por Cranmer foi a expressão mais eficaz de apresentar a doutrina da justificação pela fé.
Este fator que destacamos acima, diz respeito ao êxito do Livro de Oração de Cranmer em sua apresentação sistemática da doutrina reformada da Sola Fide (justificação somente pela fé) e da Sola Escriptura. Assim, a tradição Cranmeriana da liturgia apresentada desde o LOC de 1549, e incluindo aqueles que vieram depois, apresentam estas mesmas ênfases doutrinárias. Sobre a participação das Escrituras no LOC, podemos citar as próprias palavras de Cranmer quando diz: “Ordena-se que nada seja lido a não ser a pura Palavra de Deus, as Santas Escrituras, ou aquilo que evidentemente estiver baseado na mesma” (CRANMER, In SHEPHERD JR. p. 104). De fato, é praticamente impossível não reconhecer a cada página do LOC frases retiradas das Escrituras Sagradas. Desta forma, não seria errado afirmar que o que Cranmer fez foi apresentar um livro litúrgico reformado que pretende manter presente aquilo que de mais relevante existe nas outras tradições litúrgicas cristãs antigas e nas reformas realizadas no século XVI.
No Ofício do Santo Batismo, por exemplo, podemos vislumbrar uma clara rejeição das tradições anabatistas e puritanas. Da mesma forma, a “Rubrica Negra” – que indicava que a comunhão deveria ser recebida de joelhos, muito embora negasse a doutrina da transubstanciação -, anexada ao fim da Ordem para a Administração da Ceia do Senhor, rejeitava o entendimento romano da Eucaristia.
O Livro de Oração que possuímos hoje, desta forma, se apresenta como o resultado de um sistema teológico bastante peculiar. E este sistema que foi traduzido na forma de ritos litúrgicos, tiveram como suas fontes, os formulários históricos da Igreja da Inglaterra. Estes formulários são: o Livro de Oração Comum de 1662, o Ordinal, os 39 Artigos de Religião e o Livro de Homilias. Juntamente com as Sagradas Escrituras, qualquer desenvolvimento litúrgico ou ritual deveria continuar a buscar estes parâmetros como elementos essenciais.
Por fim, é imperativo registrar que, desde os Prefácios dos livros de oração eduardianos (1549 e 1552), bem assim das atas de uniformidade, que os fizeram oficiais, fica muito claro que a liturgia expressa no LOC, procura se ajustar a quatro princípios básicos e que jamais devem ser desconsiderados, quais sejam: 1) ela deve estar solidamente fundamentado nas Sagradas Escrituras – por isso a presença maciça de citações bíblicas em seu texto; 2) ela deve estar em conformidade com a prática da igreja primitiva – daí a presença de orações e ritos próprios de tradições orientais; 3) ela deve ser voltado para o povo – eis a razão de termos uma liturgia mais simples do que o missal romano e escrita na língua do povo desde o século XVI; e, por fim, 4) ela deve visar a edificação do povo de Deus – buscar a edificação contraria aqueles que acham que a liturgia deve apenas buscar a satisfação das pessoas. Foi com base nesses critérios que todos os revisores coerentes do LOC, no transcorrer desses cinco séculos de história, realizaram suas adaptações. Em razão disso, podemos afirmar que, neste livro encontramos a alma da teologia e da liturgia do Anglicanismo.
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