ACERCA DA IRA
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 24 de set. de 2021
- 3 min de leitura
Atualizado: 27 de set. de 2021
Reverendo Jorge Aquino.
Não creio que tenha sido possível ter conhecido alguém que nunca tenha passado pela experiência da ira em sua existência. De fato, acredito que todos os seres humanos, em algum momento de sua vida, já sentiu esse sentimento de forma bastante acentuada. Não temos como negar; todos nós já sentimos a ira batendo em nosso coração. No entanto, parece que o apóstolo Paulo tinha uma opinião bastante edificante sobre esse sentimento. Ele escreveu em sua carta à igreja em Éfeso, com base no que diz o Salmo 4: 4: “Irai-vos e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira” (Efésios 4:26). Deste breve versículo, podemos aprender pelo menos três lições.
Em primeiro lugar, Paulo entende que irar-se é normal. É por isso que ele diz: “irai-vos”. Quando verificamos a palavra que ele utilizou originalmente, ao escrever essa carta, percebemos que ele usou o termo “οργιζεσθε” (orgizesthe), que aponta para a indignação, a fúria e a hostilidade. É importante dizer que este termo somente é usado aqui, em todo o Novo Testamento. O tempo médio aponta para uma ação que deve nascer e morrer dentro de nós mesmos. Nós somos o agente desta ira. Paulo está nos dizendo que nosso própria condição humana traz dentro de nós, esta possibilidade de irar-se.
No entanto, em segundo lugar, Paulo nos diz que, apesar de eventualmente sentirmos a “ira” tomando nossa mente e coração, diz o apostolo: “não pequeis”, em grego: “μη αμαρτανετε” (Mê amartanete). Em outras palavras, o problema não está em sentir a ira, mas naquilo que fazemos com ela. A palavra “pecado” usada aqui por Paulo, significa “errar o alvo”, ou seja, sempre que – em razão de algo (nesse caso, da ira) -, erramos nosso objetivo de vida, ou o alvo de nossa existência, que é a glória de Deus, ou sempre que agimos sem que sejamos dirigidos pelo amor, pecamos. Assim como a ira, o pecado também faz parte de nossa realidade e de nossa existência. No entanto, sabemos que é possível – com disciplina -, aprendermos a evitar as consequências pecaminosas desse sentimento, se quisermos. Não precisamos ser eternamente escravos de maus sentimentos. Uma antiga tradução bíblica do Salmo 4:4 diz: “Perturbai-vos e não pequeis; falai com o vosso coração sobre a vossa cama e calai-vos”. Ou seja, Paulo entende que eventualmente sintamos ira, mas deseja que ela não dê ocasião para nenhuma forma de pecado.
Finalmente, em terceiro lugar, Paulo deseja que o sol “ο ηλιος” (ho elios), quem tem seu tempo certo e o momento previsto para se por, jamais venha a se por “μη επιδυετω” (mê epiduetô), ou seja, descer completamente, sobre nossa ira. Em outras palavras, Paulo está se utilizando de um texto do livro de Salmos para nos dizer que, quando estivermos na cama, como nossa cabeça sobre o travesseiro, devemos refletir e deixar a ira de lado. Durante a noite, seja a paz o sentimento que venha a nutrir nosso sono e nossos sonhos. Dormir com o coração cheio de ira e de rancor nunca produzirá uma noite tranquila. Eis o sábio conselho de quem foi usado por Deus para nos instruir por meio das Escrituras.
Encerro esse comentário, registrando que Paulo, no versículo seguinte, ou seja, logo depois de dizer que o sol não deve ser por sobre nossa ira, diz: “Não deis lugar ao diabo” (Efésios 4: 27). A conclusão é clara. Dormir com o coração cheio de ira, é o mesmo que “dar lugar ao diabo”. A palavra usada por Paulo aqui diábolos, ou seja, o princípio da separação. Na verdade, enquanto symbolos é o princípio da união, porque liga o signo à coisa simbolizada, diabolôs é o princípio da separação. A tradução literal de diábolos é “acusador”, e seu sentido semântico é àquele que produz separação. Não parece difícil inferir que a separação produzida pelo diabo tem a ver com alguma forma de acusação. Por isso cuidado, pois toda ação diabólica separa, cinde e afasta o que estava unido. Não permita que a ira permaneça muito tempo em seu coração. Lembre-se das palavras de Buda, quando disse: “Guardar raiva é como segurar um carvão em brasa com a intensão de atirá-lo em alguém; é você que se queima”. Assim, se a raiva estiver no seu coração, lance-a fora para sua própria saúde e a dos que estão ao redor. Afinal, a ira, nunca foi uma boa conselheira.

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