Padre Jorge Aquino.
Um dos maiores problemas que todas as pessoas precisam enfrentar, durante sua vida, tem a ver com a culpa. Qualquer dicionário diria que a culpa seria um ato ou uma omissão repreensível. Conforme pontua Edward Stein, no entanto, objetivamente, a culpa é vista como “um fato ou estado atribuído a uma pessoa que violou a vontade de Deus e/ou algum código moral ou penal. Subjetivamente: a ansiedade que acompanha um comportamento que contradiz valores considerados pelo ser como centrais para a vida” (STEIN, Apud CAMPBELL, 1995, p. 103). Existem, no entanto, pelo menos três temas que eu gostaria de ressaltar sobre esse tema.
Em primeiro lugar, é preciso destacar a importância da culpa na vida humana. Com a culpa, verificamos o surgimento da ansiedade, da sensação de indignidade e do remorso. Na verdade, de todas as formas possíveis de sofrimento mental, talvez a culpa possa ser vista como aquela mais intensa e penetrante que a humanidade mais enfrentou. Desta forma, para o psicanalista Sigmund Freud, a culpa é “o mais importante problema na evolução da cultura” (FREUD In STEIN, Apud CAMPBELL, 1995, p. 103). Isso significa que o potencial destrutivo da culpa – tanto na esfera pessoal quanto na esfera coletiva - é tão avassalador que qualquer pessoa minimamente responsável precisa levar a sério tal tema.
Em segundo lugar, existe uma importante relação entre a culpa e o exercício do poder. Quando examinamos esse tema dentro da filosofia, descobrimos autores como Foucault que refletiram sobre o tema e atentaram para a enorme relação entre culpa e dominação. Eis que em Foucault verificamos o surgimento de um tipo especial de dominação, àquela que é oriunda do conhecimento da verdade. Aquele que possui a verdade exerce algum tipo de soberania tanto sobre si quanto sobre os outros. O sacerdote, ao ouvir a confissão, por exemplo, acaba exercendo um enorme poder sobre o penitente na proporção em que ele representa Deus, ou seja, àquele que tudo vê. Na verdade, a tese de Foucault em seu texto é a de que a própria aceitação da realidade prisional é a maior coerção. Por isso, nós estabelecemos toda nossa sociedade sobre o princípio de que vigiar é mais produtivo que punir. Não devemos, portanto, desmerecer o gesto da confissão. Ele, antes de representar uma oportunidade de domínio, deve significar para o cristão, um espaço para a graça e para a libertação.
Em terceiro lugar, precisamos discutir de que forma nós reagimos à culpa. Foucault, por exemplo, nos diz que uma das formas de retirar a sentença de culpa de sobre alguém é demonstrar sua loucura. Assim ele afirma que, de acordo com o Código Francês de 1810: “A possibilidade de invocar a loucura excluía, pois, a qualificação de um ato como crime: na alegação de o autor ter ficado louco, não era a gravidade de seu gesto que se modificava, nem a sua pena que devia ser atenuada: mas o próprio crime desaparecia. Impossível, pois, declarar alguém ao mesmo tempo culpado e louco; o diagnóstico de loucura uma vez declarado não podia ser integrado no juízo; ele interrompia o processo e retirava o poder da justiça sobre o autor do ato. Não apenas o exame do criminoso suspeito de demência, mas também os próprios efeitos desse exame deviam ser exteriores e anteriores à sentença” (FOUCAULT, 1977, p. 23). De fato, para que exista culpa, é preciso que exista consciência ou capacidade de discernir entre o certo e o errado.
Outra forma de procurar superar a culpa está no exercício da expiação da própria culpa. Nesse sentido, durante a Idade Média, sabemos da existência da prática da autoflagelação como uma forma de satisfação do desejo de sentir-se purificado através da prática do auto-castigo.
Outra forma de procurar aliviar sua culpa está no exercício de compensações, ou seja, na prática de atos e gestos concretos de boas obras. Assim, o marido infiel procura encobrir sua culpa, agindo generosamente com sua esposa ou o comerciante que cobra um sobrepreço procura aplacar sua cobiça ajudando, eventualmente, os pobres.
Uma das formas mais habilidosas de lidar com a culpa é por meio da prática do que geralmente chamamos de projeção. Assim, por exemplo, “pessoas que têm suas próprias fraquezas sentem-se culpadas, e experimentam algum alívio projetando seu pecado em outras” (HOFF, 1996, p. 41). Desta forma, durante a década de 90 o mundo assistiu um dos maiores tele-evangelistas americanos – que semanalmente condenava o adultério – ser fotografado saindo de um motel com uma garota de programa. Seus sermões, na verdade, era uma forma de punir seu próprio pecado por meio da punição dos outros.
Mas há outra possibilidade, mais adequada, de se lidar com a culpa, é a confissão. Nesse sentido, Paul Hoff destaca que “Da mesma forma que a dor da enfermidade nos avisa da necessidade de buscarmos a cura, o sentimento de culpa nos avisa que a pessoa deve se arrepender e retificar o dano que cometeu. O tormento de nos sentirmos culpados tem o propósito de nos levar à confissão, e a buscar restaurar nossa comunhão com Deus” (HOFF, 1996, p. 245). Certa vez ouvi a confissão de uma senhora que me procurou para confessar seu adultério afirmando que não conseguia sentir o perdão de Deus. Eu olhei para aquela senhora e disse simplesmente: minha irmã, a bíblia diz: “Se dissermos que não temos pecados somos mentirosos e não há verdade em nós; mas, se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça” (I João 1:9). Assim, se a bíblia diz a verdade, e ela diz que se confessarmos nossos pecados Deus nos perdoa, não temos que esperar “sentir” nada de extraordinário. Temos apenas que aceitar o seu perdão gratuito. Tenho ciência de que essa afirmação pode parecer absurda para muita gente. Mas é exatamente essa a mensagem da Escritura. Não há o que fazer a não ser crer e confessar nossos pecados na certeza de que todos eles serão perdoados.
Referências bibliográficas:
CAMPBELL, Alastair Vincent (Edt.). A dictionary of pastoral care. Bristol: The Longdunn Press, 1995
FOUCAULT. Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977
HOFF, Paul. O pastor como conselheiro. São Paulo: Vida, 1996
Qualquer dúvida, entre em contato conosco e nos siga:
pejorgemonicab0@gmail.com
00+55+84+99904-8850
@padrejorgeaquino
https://www.youtube.com/channel/UC0wwVEix-_wzWCtM4QKobXA

Comentários