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ACERCA DA AMBIGUIDADE NA HERMENÊUTICA DOS TEXTOS DE LAMBETH – 1998

  • Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
    Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
  • 7 de set. de 2019
  • 3 min de leitura
carey

Reverendo Padre Jorge Aquino.

Todos os Anglicanos sabem que a Conferência de Lambeth é uma reunião decenal que ocorre na Inglaterra, reunindo todos os bispos da Comunhão Anglicana com a intensão de compartilhar os sentimentos e as necessidades de cada rincão da Comunhão. Assim sendo, ela não é um espaço deliberativo, mas consultivo e colaborativo, cujas resoluções não pretendem ser vistas como leis pelas Províncias autônomas, mas como o “consenso” possível dos bispos frente a determinadas realidades.

Talvez, nenhuma das Conferências de Lambeth tenha sido mais significativa para o futuro do que até então conhecíamos como “Comunhão Anglicana”, do que a que se realizou em 1998, sob a presidência do Arcebispo George Carey. Esta conferência deixou bastante claro qual era a posição da maioria dos bispos sobre questões relacionadas à sexualidade em sua Resolução I.10, que trata da Sexualidade humana e que assim se expressa, especialmente nas letras (b) e (e) ao afirmar o seguinte: “Esta conferência: (…) (b) Em vista do ensino das Escrituras, sustenta a fidelidade no casamento entre um homem e uma mulher em união vitalícia, e acredita que a abstinência é adequada para aqueles que não são chamados ao casamento; (…) (e) não pode aconselhar a legitimação ou bênção de uniões do mesmo sexo nem a ordenação dos envolvidos em uniões do mesmo sexo”.

No primeiro debate conciliar público em que me expressei sobre esse tema – e isso faz mais de 16 anos – eu fiz algumas considerações que gostaria de relembrar. Em primeiro lugar eu lembro de dizer que este tema fazia parte de uma agenda que, à época, não era nossa (mas da Igreja Norte-Americana) e que, por isso, não havia necessidade de que nossa Diocese adotasse normativamente a Resolução I.10 de Lambeth, até porque ela não tinha nem desejava ter autoridade deliberativa. Não éramos uma Igreja que possuía uma cúria, como é o caso da Igreja de Roma. Minha postura era simplesmente para que ignorássemos a proposição feita e que encarássemos a Resolução de Lambeth como ela desejava ser encarada.

A segunda consideração que fiz, foi uma questão de coerência ou honestidade e integridade hermenêutica. Em outras palavras, eu disse que, se aceitássemos como normativa a resolução I.10.e, que não aceita como legítima a “bênção de uniões do mesmo sexo nem a ordenação dos envolvidos em uniões do mesmo sexo”, então, para sermos coerentes com o texto de todo o item 10 da Resolução I, também deveríamos aceitar como normativo o que diz a letra “b” da mesma Resolução I.10. O problema é que a letra “b” da resolução “sustenta a fidelidade no casamento entre um homem e uma mulher em união vitalícia”. Ora, essa afirmação primeiro, questiona a poligamia (tese defendida pelo bispo que presidia aquela reunião em um livro de sua lavra chamado Libertação e sexualidade); em segundo lugar, essa resolução diz que o casamento dever visto como uma “união vitalícia”, e quase a metade dos reverendo que estavam ali presentes, olhando para mim, eram divorciados e casados de novo.

Daí a questão que eu levantei. Por que aceitar como normativa a Resolução I.10.e, e não a Resolução I.10.b? Qualquer decisão conciliar que aceitasse uma, em detrimento da outra, representaria uma incompostura hermenêutica, o uso do texto como pretexto ou uma leitura seletiva, desonesta e pragmática das Resoluções de Lambeth. A coerência com a verdade exigia e clamava para que as pessoas aceitassem a Resolução I.10 na íntegra, e não apenas a parte que lhes interessava ou que lhes era importante.

Na hora do voto, obviamente, a posição mais ideologicamente conservadora e menos intelectualmente coerente venceu. Aquele momento me mostrou que a leitura que fazemos dos fatos nem sempre representa e aponta para a verdade. É preciso, portanto, distinguir entre a verdade e uma narrativa. A narrativa é uma interpretação que fazemos dos fatos e que, via de regra, vem entrelaçada em um aspecto social/moral/ideológico bastante forte. Muitas vezes as instituições agem apenas para se defenderem, sem se importarem com coisa pequenas como “coerência intelectual”, “interpretação correta” ou simplesmente, com a “verdade”.

Vinte e dois anos depois de Lambeth/98, a Comunhão Anglicana se questiona se ela ainda hoje é uma “Comunhão” e se realmente a Conferência de Lambeth 2020 contará com a totalidade dos bispos ligados à Cantuária. Dezenas deles já se manifestaram dizendo que não irão. Quais serão as consequências disso para o futuro do Anglicanismo, ainda não sabemos. Mas seguramente podemos dizer que, se a criação de uma “Comunhão Anglicana” foi o resultado de uma condição moderna e colonial de Anglicanos caucasianos que residiam acima da linha do Equador, hoje ela representa o que existe em um mundo pós-moderno e pós-colonial onde o Anglicanismo é majoritariamente negro e terceiro-mundista. Assim, as eventuais Resoluções deverão ser bastante díspares ou, no mínimo, irrelevantes em comparação com as reuniões anteriores. Quem viver verá.

 
 
 

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