Padre Jorge Aquino.
Quer queiramos ou não, nos últimos anos o Ocidente tem sido fortemente influenciado pelo pensamento budista. Na verdade, imagino que o declínio do cristianismo na vida das pessoas acabou por fazer com que, no caso do Ocidente, as pessoas acabassem buscando no budismo as referências que o cristianismo não conseguia mais apresentar.
No entanto, o diálogo entre o que já se chamou “a religião que moldou o Ocidente e a sabedoria mais difundida no Oriente” nunca foi algo monolítico e monocromático. Muito pelo contrário, esse relacionamento passou por momentos bastante característicos e delineados.
O primeiro desses momentos ocorre quando eruditos do século XIX associam o budismo com o racionalismo e o positivismo. Desta forma, quando Nietzsche escreve o Anticristo, ele afirma que: “O budismo é cem vezes mais realista que o cristianismo. Possui, por herança, a faculdade de saber formular os problemas de forma fria e objetiva; surgiu após séculos de atividade filosófica; o conceito de Deus já não tem qualquer valor na sua gênese. O budismo é a única religião autenticamente positiva que a história nos mostra, também incluída aí sua teoria do conhecimento (um fenomenalismo religioso), ela não diz ‘luta contra o pecado’, senão, dando total razão à realidade, diz ‘lita contra o sofrimento’. (...) coloca-se para falar a milha linguagem, para além do bem e do mal” (NIETZSCHE, 2001, p. 53). Ao lado desse ilustre pensador, muitos outros intelectuais que exaltavam o racionalismo e que, conforme dizia Augusto Conte, viam no cristianismo apenas uma fase infantil da humanidade, se inclinaram para este pensamento.
No entanto, em um segundo momento, eis que surgem aqueles que estudam mais a miúde a questão e são capazes de perceber que nessa crítica “modernista” e “positivista” atribuída ao budismo, todo o caráter histórico e todo seu enraizamento nas culturas locais – que o tingem de paganismo, de irracionalidade e de religiosidade popular, foi completamente abstraído. Desta forma, o budismo acabou sendo associado a um completo niilismo e a uma doutrina do nada. Em setembro de 1852, Victor Cousin – filósofo e reformador educacional -, assumiu a defesa do cristianismo dizendo: “Rejeito as analogias estabelecidas entre o cristianismo e o budismo; as doutrinas de um e de outro não tem a menor semelhança, ou melhor, são absolutamente opostas. Se há no mundo algo que seja contrário à doutrina cristã, é essa ideia deplorável de aniquilamento que fundamenta o budismo” (Apud LENOIR In LE GALL & RINPOCHE, 2003, p. 11, 12)
Será o século XX que apresentará um terceiro momento nessa relação entre o cristianismo e o budismo. Agora, já não existe mais espaço para esta interpretação de um budismo “niilista” ou meramente “pessimista”, tanto quanto também não há espaço para aquela leitura de um budismo “puramente racional” e absolutamente isento de crenças irracionais e religiosidade popular. Na verdade, essa argumentação de deu tanto fôlego aos agnósticos e ateus, contra o cristianismo, não se sustenta mais. Hoje, já não existe mais essa relação conflituosa entre essas duas expressões de fé. Na verdade, muitos cristãos se aproximaram e aprenderam muito com o budismo, chegando até mesmo a apresentar uma forma de meditação cristã de formação budista, a meditação zen. Essa relação benfazeja que teve início com o jesuíta alemão Hugo Lassalle, que foi trabalhar em Tóquio e que se viu apaixonado pelo budismo zen, se estendeu até outros pensadores como, por exemplo, o monge trapista Tomas Merton, que deixou uma impressão tão positiva no Dalai-Lama, sem falar no ilustre teólogo e paleontólogo Pierre Teilhard de Chardin. Na verdade, as semelhanças entre o cristianismo e o budismo eram tão notáveis que Lenoir faz referência a uma carta do papa Clemente XII enviada ao Dalai-Lama, em 21 de setembro de 1738, no qual ele dizia: “Temos uma justificada esperança de que, pela misericórdia do Deus infinito, chegareis a ver claramente que só a prática da doutrina do Evangelho, da qual vossa religião tanto se aproxima, pode conduzir à ventura de uma vida eterna” (Apud LENOIR In LE GALL & RINPOCHE, 2003, p. 15, n. 9).
Nossa esperança é que, em um frutífero diálogo, cristianismo e budismo possam contribuir para que a humanidade possa chegar a um estágio de mais respeito mútuo, mais amor ao próximo e à natureza e mais auto-conhecimento e, dessa forma, possamos tornar nosso mundo, um mundo melhor para nós e nossos filhos e netos.
Referências bibliográficas:
LE GALL, Dom Robert & RINPOCHE, Lama Jigme. O monge e o lama. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003
NIETZSCHE, Friedrich. O anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2001
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