A QUESTÃO DA INVEJA
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 26 de out. de 2017
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Reverendo Jorge Aquino
As pessoas pensam que falar sobre a inveja é falar de um assunto banal. Na realidade não creio assim. Muito pelo contrário, acredito que a inveja é a culpada pela maioria das rupturas de relações entre amigos ou, pelo menos, pela impossibilidade da criação de relacionamentos entre as pessoas. Muitos casais nem imaginam, mas são extremamente invejados em função da relação e felicidade que revelam e, por isso, são alvos dos mais inesperados ou desesperados ataques. Quanto a este tema creio ser possível refletir sobre, pelo menos, três aspectos:
O que é a inveja?
O Dicionário Houaiss da língua portuguesa define inveja de duas formas: na primeira como o “desgosto provocado pela felicidade ou prosperidade alheia”, e na segunda como o “desejo irrefreável de possuir ou gozar o que é de outrem”. Logo de chofre percebemos quão destrutivo é esse sentimento. No que diz respeito ao termo em si, sabemos que esta palavra tem sua origem no latim e, segundo F.R. dos Santos Saraiva, em seu Dicionário latino-português (2000), vem do termo “Invidia” que também significa: ódio, despeito e até infelicidade. O invejoso, portanto, está destinado a ser sempre uma pessoa infeliz e amarga.
O Dr. Junito Brandão, em seu Dicionário mítico-Etimológico (1991, p. 453), nos fala de um personagem que não possui mito próprio. Seu nome é Ftono (phthónos) e ele é tido como um demônio cujo personagem é a personificação da inveja, do ciúme e da mágoa provocada pela felicidade de outrem. Esse personagem sempre aparece ligado à deusa do caos e da discórdia.
De uma perspectiva filosófica, lembramos de Spinoza que, escreve em sua Ética, que a inveja “é a raiva enquanto afeta o homem de tal sorte que ele seja contristado pela felicidade de outrem e, ao contrário, se alegre com o mal de outrem” (IN RUSS, 1994, p. 157). Eis mais uma vez a infelicidade e a amargura frente à felicidade de outra pessoa. Ao que parece, o invejoso não tem vida própria. Ele vive a sua vida “gravitando” ao redor de outrem desejando ter o que o outro tem e lamentando não ter o mesmo.
Onde podemos encontrá-la?
Como já afirmava Heródoto (485-425 aC), “A inveja nasceu no homem desde o princípio”. E, como sabemos, tudo o que é humano nos é peculiar. Por isso, a inveja é um sentimento que pode vir sobre todo e qualquer um de nós, seres humanos. De uma perspectiva psicológica, R. Jouvent, escreve um artigo sobre esse tema em seu Dicionário de psicologia (2000, p. 447) no qual afirma que “A inveja é uma necessidade de apropriação do objeto ideal ou de suas qualidades, ao mesmo tempo que uma intenção de destruí-lo para suprimir a pressão que ele exerce como objeto de inveja”. Desta definição depreendemos claramente que a inveja é tanto um desejo de se ter o que não se tem, como um desejo de destruir o que a outra pessoa tem, porque a existência desse pertencimento aflige a mente doente do invejoso, que sabe que não tem o que deseja. Como é claramente revelado no texto, a inveja, com sua intencionalidade destrutiva faz dela uma das primeiras manifestações do instinto de morte. Com esta definição em mente podemos compreender, conforme já indicamos acima, que há uma fixação positiva em ter o que não se tem e uma negativa em destruir o que não se tem para que a simples existência do que não se tem não se transforme em uma forma de tortura mental que nos oprime justamente porque não temos o que invejamos. É por isso que Balsac (1799-1850) já dizia: “É tão natural destruir o que não se pode possuir, negar o que não se compreende, insultar o que se inveja!”. Aquele que sofre e arde de inveja tem essa capacidade de maldizer, de execrar, de abominar, no entanto, todos esses sentimentos apenas mascaram a imensa vontade de ter o que não se tem; e cada ser humano pode, algum dia, desenvolver esse sentimento.
Como reagir a ela?
A primeira lição sobre como devemos encarar a inveja dos outros sobre nós e sobre o nosso relacionamento, nos é dada por Heródoto (485-425 aC) quando diz: “É melhor ser invejado do que lastimado”. O que fazer se você tem uma relação tão plena com seu companheiro que as pessoas sofrem e agonizam de inveja? Para Heródoto, é melhor que sintam inveja do que pena.
A segunda verdade que você precisa compreender é que “as coisas medíocres escapam à inveja”, portanto saiba que se você e seu relacionamento possui valor e significado, ele é invejado. Ou mudando a perspectiva, se seu relacionamento é torpedeado pela inveja alheia, saiba que esse é um sinal visível e gritante que sua relação com seu companheiro é tudo o que as pessoas desejam para si e não conseguem ter. Quantas pessoas mudam de relacionamentos todos os meses à procura de algo que jamais terão, porque são intrinsecamente adoecidas pela inveja e, dessa forma, jamais encontrarão seu “par perfeito” por fixarem seu olhar sobre a relação de alguém?
Entre os americanos há um ditado que afirma que “a grama do visinho é sempre mais verde”, por isso, sempre somos alvo de inveja. Veja bem, não podemos fugir da inveja alheia, mas podemos lembrar de um outro velho ditado que diz: “enquanto a caravana passa os cães ladram”. Ou seja, deixe que os outros falem. O que importa é o que você significa para seu companheiro e o que ele acha da relação. Afinal é ele quem efetivamente o conhece e é com ele que você compartilha toda a vida, as dores, os sofrimentos, as alegrias, as vitórias, etc.. Fortaleça essa união e nada, ou conforme diz as Escrituras, nenhum “dardo inflamado do Diabo” (Ef 6:16) os alcançará porque “porque há um maior conosco do que com ele” II Cr 32:7, e porque “se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8:31). Mais uma vez cito o salmista: “mil cairão ao teu lado e dez mil à tua direita, mas tu não serás atingido” (Sl 91:7). E por quê? Porque é “Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite” (Sl 1:1,2). Em resumo, seja capaz de gratificar-se, alegrar-se e recompensar-se por ter tido a grata experiência de uma relação feliz, saudável e plena com o companheiro de sua vida.
Referências bibliográficas:
BRANDÃO, Junito de Souza. Dicionário mítico-Etimológico Vol 1. Petrópolis: Vozes, 1991.
JOUVENT, R, In DORON, R. & PAROT, F. Dicionário de psicologia. São Paulo: Ática, 2000.
RUSS, J. Filosofia. São Paulo: Scipione, 1994.
SARAIVA, F.R. dos Santos. Dicionário latino-português. Rio de Janeiro/Belo Horizonte: Garnier, 2000.
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