A moralidade em Mary Midgley
- Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
- 15 de ago. de 2018
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Reverendo Padre Jorge Aquino.
“Toda doutrina moral, todas as sugestões práticas sobre como deveríamos viver, dependem de alguma crença sobre como é a natureza humana” Mary Midgley
Ela nasceu Mary beatrice Midgley, em 13 de setembro de 1919, filha de um reverendo Anglicano e capelão do King’s College, em Cambridge. Como pensadora britânica, assumiu uma considerável notoriedade em função de ser uma filósofa da moral e assumir trabalhos sobre ciência, ética e direitos dos animais. Muito embora tenha perdido um doutorado em filosofia porque não gostava muito de discutir o tema (Plotino), ela entendia que a filosofia era como o encanamento, algo que ninguém percebe até que algo dê errado.
A ilustre pensadora que esteve em Oxford durante a Segunda Guerra Mundial, teve uma carreira excepcional. Como mulher e como filósofa em tempos de guerra ela teve a oportunidade de, não apenas de estar presente em um mundo machista, mas também de refletir sobre esse mundo, justamente tendo como pano de fundo a realidade da guerra.
Na Universidade de Newcastle, ele chegou a ser senior lecturer em filosofia, e notabilizou-se por publicar muitos livros acerca da ciência e da compreensão humana, escritos sempre com um estilo fácil para os não filósofos. Para ela, em que pese o fato de que a ciência representa um dos maiores êxitos da humanidade, ela não é capaz de nos equipar com um tipo de conhecimento que nos permita explicar ou justificar todas as esferas da existência humana. Longe de criticar a ciência, suas baterias se voltaram contra aqueles que atribuíam um poder que ela não tinha. Dessa forma, o principal alvo de suas críticas foi o pensamento reducionista, ou seja, aquela tentativa de explicar o comportamento, a ética e a natureza se servindo de uma leitura mais simples do que de fato deveria.
Contrariando a tradição de Oxford – que se voltava muito para a filosofia da linguagem e para a lógica -, mas, enquanto filósofos como Ryle a Ayer se voltavam para aspectos da criptografia, ela se dedicava mais à vida real e cotidiana ou ao que se costumava chamar de “filosofia aplicada”. E uma chave muito utilizada por ela para reagir a tradição anglo-saxã de filosofia, foi optar por explicações holísticas, ao invés de redutivas. Segundo Midgley, a filosofia do século XX era excessivamente voltada para a análise e para a divisão do fenômeno. O custo dessa leitura analítica, para ela, foi uma visão pouco atenta para perceber como as partes são aptas para formar o todo e uma redução que nos leva a uma visão não-realista do mundo que observa o mundo apenas como a soma de partes mais simples e distintas. Para ela, simplesmente não podemos dividir a mente entre “sentimentos” e “razão” – à maneira cartesiana -, sem ferirmos de morte o conhecimento.
Uma outra questão que esteve presente no pensamento de Midgley, foi a distinção feita entre “fatos” e “valores”. Ela critica essa distinção utilizando como exemplo a arte. Segundo essa pensadora, a arte aumenta e desenvolve nosso senso de realidade. Portanto, a distinção fato/valor se dissolve vez que ao se ter uma visão total da realidade fatalmente saberá qual é a coisa certa a fazer.
Outro conflito entre Midgley e os filósofos analíticos, é que ela considera muito a metáfora enquanto elemento capaz de clarear mais amplamente a verdade do que se está falando. Isso é uma abominação para os filósofos analíticos que veem as metáforas como ameaças à verdade objetiva ao passo que eles se consideram como os defensores das explanações claras e livres de qualquer ambiguidade. Para Midgley (refletindo o pensamento anteriormente apresentado por Nietzsche), toda a linguagem – mesmo a utilizada pelos filósofos analíticos – é metafórica.
Sua obra mias discutida, talvez tenha sido Wickednee (1984), apresentada por alguns como uma obra que se aproximou muitíssimo de uma abordagem teológica acerca do mal. Para ela, ao invés de culparmos Deus por tudo, precisamos aprender mais sobre a capacidade humana para fazer maldades. São nestes aspectos essencialmente humanos, e não em Deus, que surge a maldade. Ela parece seguir uma inclinação agostiniana na medida em que diz que o mal é a ausência do bem – na medida em que o bem seja apresentado como as virtudes positivas tais como a coragem, a generosidade e a bondade. No entanto, ela nem aponta para a existência de algum livre arbítrio que me leva para o bem supremo, nem condena o que praticou o mal, demonizando-o, vez que cada um de nós possui a capacidade de falhar e de errar.
Muito recentemente Midgley trabalhou com a metáfora da gaia, pela qual nutriu grande simpatia. Qual o problema em dizer que a terra pode ser compreendida como um grande organismo vivo e único? Para os analíticos isso é “apenas” uma metáfora, mas na verdade é algo muito maior. Segundo ela: “Se, de um lado, você pede uma tradução literal disso, você irá recorrer a uma enorme quantidade de ciência, com a qual todo mundo se ocupa. Do outro lado, você tem um modo de ver as coisas, uma estrutura imaginativa com a qual vê o mundo de modo diferente e, vendo-o de modo diferente, você também se sente de modo diferente em relação a ele. Se essa história é de fato verdadeira, como parece ser, que a vida, toda a vida sobre a terra viva, aconteceu mantendo as condições vitais sobre esse planeta por todo o tempo que o planeta existiu, contrariamente a todos os tipos de correntes que de outra forma existiram, então a única resposta possível é a de reverência e gratidão” (MIDGLEY, In BAGGINI & STRANGROOM, 2005, p. 171).
No fundamento de sua teoria está, certamente, o pensamento de Paul Davies, para quem existe no universo, alguma espécie de tendência para a formação da ordem e, embora reconheça ser uma expressão um tanto quanto vaga, ele usa a expressão “força vital” para dizer que a vida perceptiva se inclina para a ordem.
Para nossa autora, a vida interior era extremamente importante para nortear e potencializar nossas ações. Os que não entendem isso não conseguem explicar qual a razão de sua infelicidade. Para tanto, voltar-se para a arte e para a poesia poderá fazer com que restauremos a intimidade entre “fato e valor”, e assim, consigamos – ainda que se servindo de metáforas – construir uma sociedade melhor do que aquela que centralizou-se na técnica e na dominação da terra/gaia.
Creio que na estória de Moby Dick, escrita por Herman Melville em 1851, podemos encontrar uma metáfora do que ocorre quando não respeitamos a vida na terra e a exploramos para satisfazer nossas ambições de riquezas e de poder. A própria natureza – quase que com rancor – se volta contra nós e nos destrói. O que aprendemos com ela é que não devemos ser tolos o suficiente para dicotomizarmos “fato e valor” e sim, para observamos e valorizarmos com olhos mais poéticos a vida que pulula ao nosso redor. De fato, deveríamos ser gratos por nossa vida. Por estarmos vivendo em uma realidade totalizante da qual somos parte importantíssima, e porque nessa terra, somos convidados a fazer escolhas morais boas e responsáveis, valorizando o que sentimos e nossos valores.
Referência bibliográfica:
BAGGINI, Julian. STANGROOM, Jeremy (Editores) O que os filósofos pensam. Aparecida/SP: Ideias e Letras, 2005
Referência: disponível em <https://citacoes.in/autores/mary-midgley/> acessada em 19 de junho de 2018.
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