
Padre Jorge Aquino.
Na introdução de sua obra Meditaciones del quijote, de 1914, o escritor espanhol José Ortega y Gasset, escreveu uma frase que entraria para a história: “Eu sou eu e minhas circunstâncias”. Com ela, o autor queria dizer que, muito embora o Eu fosse distinto de seu meio, ele era indissociável do que estava à sua volta. Assim, a realidade que está a sua volta, inevitavelmente faria parte da construção do próprio ser que ele era.
Quando terminamos uma relação e, algum tempo depois, iniciamos outra, tentamos de todas as formas evitar os erros que foram cometidos na relação anterior. O que não compreendemos é que, tudo o que ocorreu em nosso passado nos constitui, ou seja, faz parte do que somos. E o faz de tal forma e com tanta intensidade que é praticamente impossível separar o “eu” das circunstâncias que o rodeiam ou rodearam. Por isso, muitas vezes, essa carga de “circunstâncias” de nosso passado nos acompanha sendo um peso que carregamos por toda uma vida e que, se não tivermos cuidado, tem a capacidade de arruinar um novo relacionamento. Mas de que é feita essa carga?
Em primeiro lugar, muitas pessoas carregam para seu novo relacionamento a dor de uma enorme perda que foi responsável pela ausência de elementos que a fortaleceriam. Quem perdeu um dos pais, por exemplo, sempre trará consigo a ausência de alguém amado que lhe servia de apoio e de fortaleza e que, inúmeras vezes trazia consolo e apoio. Quer queiramos ou não, a perda de alguém significativo para nossa construção psíquica pode nos fazer levar uma insegurança e um sofrimento latente pelo resto de nossa existência.
Um segundo peso que muitas pessoas carregam, pode ser a dor de ter sido abandonada por quem tinha a obrigação de defende-las. Assim, essas pessoas possuem a capacidade de se sentirem, muito frequentemente, à ponto de serem deixadas e abandonadas, porque na verdade já a foram em seu passado. Assim, elas carregam, para sempre, e para suas novas relações, o medo de serem novamente abandonadas ou largadas pelo caminho.
Um terceiro peso que as pessoas levam para suas novas relações, pode está associado à infidelidade e à traição. Quantas vezes encontro pessoas que iniciam uma relação com alguém que imaginam ser um príncipe encantado e que, subitamente, se revelam traidores contumazes, infiéis pertinazes que, passam dias e dias longe de casa nos braços de outras pessoas? Esse tipo de dor faz nascer em nossos corações a baixa auto estima que nos leva a pensar que não temos o valor que imaginávamos ter. E, eis que o pior pode acontecer: acabamos tendo medo de nos entregar plenamente a uma outra pessoa que realmente nos valoriza e de sermos novamente traídos ou trocados por um outro alguém e, como consequência, acabamos por construir uma couraça de proteção tão forte que impedimos até mesmo as pessoas que nos amam de se aproximar.
Uma quarta carga, extremamente pesada, que frequentemente pessoas levam para seus novos relacionamentos, é a experiência da violência doméstica. Essa dor, dilacera não apenas nossa carne, mas nossa alma, e faz derramar não só nosso sangue mas nossas lágrimas. Quantas pessoas marcadas, por dentro e por fora, não desejam ter um relacionamento verdadeiramente amoroso, mas temem? Elas temem serem novamente agredidas, vilipendiadas, xingadas, abusadas, e isso, quer elas queiram ou não, estará lá, em suas circunstâncias, fazendo parte de suas histórias e sendo levadas por elas para onde quer que elas caminhem. O medo, sempre as acompanhará, porque sempre esteve presente em suas vidas.
Há, uma quinta carga que muitas pessoas carregam e que, doe profundamente em seus corações. É a dor de acharem que abandonaram seus filhos em função de sua carreira. Apesar de tudo o que foi dado, de toda a formação que tiveram e de todo apoio, há uma enorme pressão para que imaginemos que eles jamais sobreviverão sem a nossa presença. E, por mais que saibamos da importâncias do trabalho e do crescimento funcional, levaremos para sempre dentro de nós essa dor que nos envergonha e que nos faz sentir culpados por quaisquer erros que eles eventualmente venham a cometer. Assim, além de todas as dores que já foram citadas acima e que carregamos para nosso novo relacionamento, devemos acrescentar também a culpa.
Para encerrar, lembro do mito grego de Sísifo. Esse personagem considerado extremamente inteligente e sagaz, tentou ludibriar os deuses e acabou sendo penalizado a carregar, diariamente, uma enorme pedra montanha acima, por toda a eternidade. Sim, digo por toda a eternidade, porque a pedra sempre faz questão de cair sobre ele, e ele, sempre, tem que recomeçar do zero todos os dias. Em um novo relacionamento, nós também sempre trazemos nossas cargas. E, por mais que tentemos leva-las para cima da montanha, muitas e muitas vezes elas parecem muito pesadas e acabam escorregando de nossas mão, nos fazendo voltar e começar tudo outra vez. Essa é a vida: cheia de recomeços! Na verdade ela é completamente feita de recomeços. Nossos fracassos – e eles podem ser muitos -, sempre nos acompanharão. Muitas vezes nos sentiremos maus ao vê-los diante de nós; algumas vezes seremos tentados a achar que nossa nova relação é igual à anterior, que nos feriu. Mas não precisa ser assim. Não temos que carregar a culpa por toda a eternidade nem culpar os outros pelas dores que nos foram infligidas por terceiros. Sigamos em frente, carregando nossas cargas, nosso fardo, sabendo que nossas circunstâncias determinam quem somos e, se somos assim, com tanto peso em nossas costas e ainda estamos de pé, então pelo menos podemos dizer algo acerca de nós. Somos fortes!!
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