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A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

  • Foto do escritor: Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
    Reverendo Padre Jorge Aquino ✝
  • 11 de dez. de 2019
  • 8 min de leitura
economia e direito

Reverendo Professor Padre Jorge Aquino. ThM., Ph.M., Esp.Dir.

Parece estranho, para a maioria das pessoas, propor uma Análise Econômica do Direito. Este estranhamento surge do pressuposto de que esses dois temas ou esferas de conhecimento deveriam andar por caminhos absolutamente diferentes. Assim, quando perguntamos sobre o que é o direito, via de regra nos deparamos com respostas do tipo: “a norma das ações humanas na vida social, estabelecida por uma organização soberana imposta coativamente para a observância de todos” (KÜMPEL, 2012, p. 33). Assim, o direito passa a ser vista como a arte que regula o comportamento humano e social. É nesse sentido que surge a expressão: “nulla societas non est lex”, ou seja, onde não há direito não existe sociedade.

Por outro lado, quando falamos de economia, imediatamente, nos vem à mente temas relacionados a aspectos meramente financeiros ou relacionados ao mercado. No entanto, uma visão mais aproximada do tema nos fará perceber que estes dois temas não são tão díspares assim. De fato, Posner (2009, p. 462) já nos advertia que “As raízes do movimento da teoria econômica do direito são profundas. Bentham aplicava a teoria econômica ao comportamento dos criminosos e aos métodos de punição destes” (…) “os artigos de Coase, Becker e Guido Calabresi introduziram a ‘nova’ teoria econômica do direito, que enfatiza a aplicação da economia às instituições centrais do sistema jurídico”, incluindo todas as áreas do direito civil e penal. Depois de sua exposição, conclui ele, dizendo que não há “hostilidade ao uso de modelos matemáticos nem à metodologia econométrica; e a geração mais recentes dos estudiosos da teoria econômica do direito está mergulhada na teoria dos jogos” (POSNER, 2009, p. 463). Em outro conhecido texto Posner explica que “Embora o objeto tradicional da economia seja o comportamento dos indivíduos e das organizações no contexto mercadológico, uma breve reflexão a respeito da ferramenta analítica básica do economista em seu estudo dos mercados nos sugere a possibilidade de usar a ciência econômica de um modo mais abrangente. Essa ferramenta é o pressuposto de que cada indivíduo maximize racionalmente a sua satisfação” (POSNER, 2010, p. 3). Lamentavelmente, entende Posner, boa parte dos operadores do direito se limitam à mera operação silogística em sua abordagem dos casos concretos. Vejamos suas palavras: “Quando os juízes e advogados realmente usam a lógica, recorrem aos métodos mais simples. A lógica formal raramente é ensinada nas faculdades de direito ou encontrada nas decisões judiciais, nas peças processuais ou nos artigos de law reviews. (…) No direito, a coisa mais próxima da lógica formal é o uso, por parte dos analistas econômicos, dos modelos matemáticos das regras jurídicas; o modelo desses modelos é a fórmula de Learned Hand, que define a negligência por meio de uma fórmula algébrica simples. Quanto ao silogismo, a esta altura deveria ser evidente que se trata de um modelo inócuo para o raciocínio jurídico” (POSNER, 2007, p. 72, 73). De fato, para ele, o direito perde muito quando não se aproxima da teoria dos jogos, do teorema de Pareto superior, do Teorema de Coase ou de outros elementos que a economia utiliza para que certas decisões sejam tomadas com a finalidade de maximizar a situação entre as partes envolvidas.

Desta forma, podemos atentar para o fato de que palavra “economia” tem origem grega e significa literalmente “a gestão da casa” e que trata das normas que administram o mundo. Assim, não seria errado dizer que a economia seria uma ciência que se volta para entender as razões que fazem com que os homens se comportam em um mundo onde os recursos são visivelmente escassos, objetivando particularmente, suas consequências. Diante dessas informações, Gico Jr. nos diz que a Análise Econômica do Direito “é o campo do conhecimento humano que tem por objetivo empregar os variados ferramentais teóricos e empíricos econômicos e das ciências afins para expandir a compreensão e o alcance do direito e aperfeiçoar o desenvolvimento, a aplicação e a avaliação de normas jurídicas, principalmente com relação às suas consequências” (GICO JR., 2011, p. 17, 18). Do que verificamos dessa apresentação do tema, podemos afirmar que a Análise Econômica do Direito possui pelo menos três virtudes.

Em primeiro lugar, a Análise Econômica do Direito se apresenta como uma leitura dialogal do direito. Conforme sabemos, a grande obra de Kelsen – Teoria Pura do Direito – era a tentativa de apresentar o direito como uma ciência autônoma, como as demais ciências que estavam se desenvolvendo naquele momento. Ele certamente logrou êxito em seu propósito e, até hoje, o direito é apresentado como uma ciência autônoma, com objeto e categorias próprias. No entanto, creio ser praticamente impossível hoje, para qualquer produtor de conhecimento, dissociar uma ciência de outros aspectos científicos que lhe são associados. Nesse sentido, não seria absurdo dizer que a Análise Econômica do Direito estaria ligada de alguma forma a um movimento mais amplo como o Critical Legal Studies Moviment (CLS) – consequência no mundo jurídico da influência oriunda da Escola de Frankfurt -, que, tinha como princípio metodológico básico, “abrir a teoria jurídica a outras disciplinas e recusar-se a admitir que a teoria jurídica seja apenas uma discussão filosófica da ideia de direito; ao contrário, o direito deve ser abordado a partir de muitas perspectivas e através das lentes de muitas disciplinas” (MORRISON, 2006, p. 538). Dessa forma, não podemos observar as normas como se elas fossem elementos absolutamente puras e isentas da influência de qualquer outro elemento. Eis que a Teoria Tridimensional do Direito, associado à figura ímpar do jusfilósofo Miguél Reale, apresenta o direito como uma junção de elementos como a junção de um aspecto fático, um axiológico e um normativo. Assim, o direito é a conjugação do fato, do valor e da norma. Assim, abre-se a possibilidade para que aspectos axiológicos ou valorativos façam parte ativa do que conhecemos como direito. Assim, eis que em um mundo em que os conhecimentos se interligam cada vez mais profundamente, não podemos mais chamar a academia de uma “universidade”, mas de uma “pluriversidade”.

Em segundo lugar, podemos afirmar que a Análise Econômica do Direito está indelevelmente associada ao consequencialismo. Quando falamos em consequencialismo, estamos nos referindo a uma postura segundo a qual uma decisão deve ser tomada em razão das consequências (boas ou ruins, justas ou injustas) que ela pode produzir. Dizer isso, significa afirmar que aqueles que seguem essa postura acreditam que as regras às quais nós nos submetemos – ou seja, o direito -, devem ser “elaboradas, aplicadas e alteradas de acordo com suas consequências no mundo real” (GICO JR., 2011, p. 18) e não, por simples julgamentos de valor sem qualquer fundamentação empírica ou prática. Dessa forma, o consequencialismo se choca frontalmente com a postura meramente deontológica. Isto significa que, de uma perspectiva prática, um magistrado que se associa a esta postura faz uso de instrumentos teóricos e empíricos para identificar os problemas sociais concretos envolvidos no caso, bem assim pondera as prováveis reações ou consequências práticas que sua decisão eventualmente produzirá para, dessa forma, optar pela melhor interpretação da norma, ou seja, por aquela interpretação que traga um bem maior e minimize o sofrimento.

Por fim, em terceiro lugar, a Análise Econômica do Direito nos permite agir de uma forma mais coerente com a realidade. Longe de afirmar ou postular verdades metafísicas e que em nada nos toca ou nos diz respeito, esta abordagem jurídica fala de problemas reais e procura responder a questões igualmente reais e concretas. Dessa forma, os membros dessa corrente jusfilosófica estão preocupados em aplicar seu método para tanto compreender, quanto explicar e prever as implicações e consequências fáticas do ordenamento – bem assim de sua lógica -, produzindo uma leitura mais concreta do direito no mundo e do mundo no direito. Assim sendo, os juseconomistas se preocupam primordialmente com duas grandes questões: “(i) quais as consequências de um dado arcabouço jurídico, isto é, de uma dada regra; e (ii) que regra jurídica deveria ser adotada” (GICO JR., 2011, p. 20). Segundo postula Gico, a maioria de nós concordaria que a resposta da primeira questão independe da resposta dada à segunda, mas que o inverso não é verdadeiro. Assim, para termos certeza da regra ideal precisaríamos ter ciência das consequências que ela produziria. Nesse sentido, afirma Renato Leite Monteiro: “O fundamento maior da Análise Econômica do Direito seria trazer segurança e previsibilidade ao ordenamento jurídico. Da mesma maneira que os mercados, para serem dotados de um funcionamento adequado necessitam desses postulados, a AED tenta agregar maximização, equilíbrio e eficiência as relações jurídicas. O princípio do equilíbrio funciona como conceito básico de todas as relações econômicas, mas que encontra mais de um significado, entre eles o chamado Equilíbrio de Nash” (MONTEIRO, Análise econômica do direito: uma visão didática. disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/sao_paulo/2425.pdf. Acessado em 10 de dezembro de 2019).

Para termos ao menos essa segurança ou previsibilidade no mundo concreto, verificamos que faz sentido existir uma pesquisa que diga respeito à Análise Econômica do Direito positiva e que questiona sobre “o que é”, e uma outra sobre a Análise Econômica do Direito normativa, ou seja, o que “deve ser”. A ideia que precisa ser compreendida a priori é que há uma distinção entre o mundo fático – ou seja, aquele que pode ser averiguado e examinado cientificamente – e cujos resultados (por se tratar de uma ciência) são passíveis de falsificação (Karl Popper), e o mundo valorativo – ou seja, aquele que não pode ser examinado empiricamente, não exige ser provado nem é passível de falsificação -, não sendo, portanto, científico. Os magistrados juseconomistas se inclinam para um exame normativo, pois esse os ajudará a escolher entre as possibilidades possíveis e mais eficientes, isto é, escolher um arranjo institucional mais adequado e cientificamente mais embasado em um valor. Assim, mais importante do que decidir de acordo com a letra da lei, para subsumir um fato ao texto legal, eles preferem interpretar o texto é produzir um valor maior, qual seja, a justiça.

Conforme nos afirma de forma cabal David Ingram (2010, p. 187) que o formalismo tenha fracassado em realizar seu objetivo de transformar o direito privado em uma ciência dedutiva, racional, “outra linha de jurisprudência, associada ao movimento Law and Economics (Direito e Economia), liderada pelo juiz federal Richard Posner, recentemente procurou fundamentar o common law em teorias da eficiência econômica, central para a escolha racional, e na razão instrumental”. Esta referência ao pensamento habermasiano tem dado um lastro de maior importância ao pensamento juseconomista, vez que não pretende cair em um niilismo jurídico, mas assumir uma postura com mais solidez racional encontrado tanto no pragmatismo clássico americano, quanto na obra de Richard Rorty, quanto nas teses de Habermas.

Antes de concluir, é importante ler o que afirmou Posner no prefácio à edição brasileira de sua obra A economia da justiça. Lá, verificamos que esse ilustre juiz afirma que “O direito é feito (positivado) pelo poder legislativo; os juízes se limitam a identificar e aplicar as normas legislativas. Nos últimos anos, porém, (…) os constitucionalistas brasileiros começaram a adotar uma concepção não positivista da interpretação constitucional, orientando-se por teorias constitucionais como a da ponderação de valores ou interesses, da proporcionalidade e do direito como moral (direito natural). (…) A teoria econômica, tal como explico neste livro, representa uma posição intermediária. De acordo com ela, os juízes exercem e devem exercer a discricionariedade. Esta, porém, deve seguir os ditames de uma teoria econômica aplicada ao direito” (POSNER, 2010, p. xi, xii). Em outras palavras, Posner percebe que entre os constitucionalistas brasileiros já se vislumbra uma leitura que vai além do mero e estreito positivismo e segue em direção a uma postura mais ampla e que compreende que a Análise Econômica do Direito possibilitaria uma ponderação e uma análise da relação custo-benefício das condutas regulamentadas pelas leis.

Referências bibliográficas:

GICO JR., Ivo. In KLEIN, Vinícius & RIBEIRO, Marcia Carla Pereira (Coordenadores). O que é análise econômica do direito: uma introdução. Belo Horizonte: Forum, 2011

INGRAM, David. Filosofia do direito: conceitos-chave em filosofia. Porto Alegre: Artmed, 2010

KÜMPEL, Vitor Frederico. Noções gerais de direito e formação humanística. São Paulo: Saraiva, 2012

MORRISON, Wayne. Filosofia do direito: dos gregos ao pós-modernismo. São Paulo: Martins Fontes, 2006

POSNER, Richard. Problemas de filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 2007

POSNER, Richard. Para além do direito. São Paulo: Saraiva, 2009

POSNER, Richard. A economia da justiça. São Paulo: Saraiva, 2010

MONTEIRO, Renato Leite. Análise econômica do direito: uma visão didática. disponível em: http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/sao_paulo/2425.pdf. Acessado em 10 de dezembro de 2019.

 
 
 

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